terça-feira, 5 de maio de 2009

Um último pedaço

Foto de Maria Hsu

-Mãinha eu quero um pedaço de rapadura!
-Não tem filho...

O menino tinha 10 anos de idade, segundo me lembro era moreno e lembrava muito o meu irmão. Era um dos sete filhos da família. O cabelo era liso e em formato de tigela. A mãe era cuidadosa, tinha olhos azuis e cabelos loiros escuros.

Sustentar uma família a 30 anos atraz no nordeste era algo difícil. Havia pouca comida e o número de pessoas era grande. Todos tinham a mesma alimentação e praticamente nenhuma guloseima. Meu tio Joaquim não se conforma com a atual juventude 'na minha época brigavámos para comer e vocês brigam para não comer'.

-Mãe eu estou com vontade de comer rapadura!!!
-Já disse que não tem filho!

A criança começa a gritar sem parar que quer o tal pedaço do 'doce' e a mãe fica mal por não poder dar o que o filho pede. Então diante dos berros quase que desesperados e dos soluções que o choro já provocava a senhora vai até uma vendinha ao longo da estrada do sitio que moravam.

A ida foi frustrada já que não tinha a especiaria no minúsculo comércio.

-Mãe lá tinha?
-Não filho, não tinha...

A criança retoma um choro ensurdecedor e a mãe fica desesperada. Vai então até o caminhão que leva as pessoas no município mais próximo para tentar achar nem que se for um pedaço de rapadura para o menino que não para de chorar e pedir.

Foi em vários comércios para poder achar o que queria. O 'pau de arara' tem hora para partir para o sitio e esse horário demora para chegar. A mãe vai ficando muito preocupada e nunca teve a impressão de que moravam tão longe da cidade. Ao chegar vai correndo desesperada levar o pedaço para o menino que estava sem voz de tanto chorar. O menino pegou o doce com a mão trêmula, comeu um pedaço e em seguida morreu. Muitos dizem que foi por causa de lombrigas e vermes, outros dizem que foi mal olhado e outros que simplesmente o garoto queria realizar um último desejo antes de morrer. Nunca vou saber o motivo real pela morte do garoto.

Essa história foi contada para mim quando tinha 11 anos pela minha avó Isabel Cardoso, que infelizmente faleceu ano passado. A mãe da história era ela e o menino que morreu era meu tio. Ela nunca deixava que nos negassem nada e nos dava tudo o que tivéssemos vontade. Segundo ela a morte desse filho foi a maior frustração que já teve e sentia-se muito culpada e não queria que acontecesse o mesmo conosco.

5 comentários:

driguchakra disse...

Nossa meu... triste heim...

Sá Heck disse...

Não, eu não me formei...

E não acho palavra pra comentar o seu texto, portanto vou deixar três pontinho...

Mas CARALHO!

Anônimo disse...

muito foda essa história.
muito.
dá pra gente sentir o coração ficando todo enrugadinho e amargo.

=/

Leandro - O redator disse...

bom post ! =d

Anônimo disse...

gostei da foto =]